sábado, 2 de outubro de 2010

"cola do blog do meu amigo Dyl"



Crítica: Momento inquietante na Praça Roosevelt
Por Luciano Maza (SP) - Caderno Teatral
Bernard-Marie Koltès (1948-1989) é o principal nome da dramaturgia francesa da segunda metade do século XX e seu autor mais encenado no mundo. Sua obra é marcada pela força da linguagem que transita entre o coloquialismo e a poesia, e também pelo retrato contundente de um universo marginal com personagens que lidam com a violência de uma realidade crua, excludente e solitária.

Temas muito caros também ao grupo brasileiro Os Satyros que ao longo de sua História travou diálogo com textos que abordam a marginalidade social, assimilando a questão presente no dia-a-dia do coletivo que se localiza numa região degradada da cidade de São Paulo e que até sua chegada estava abandonada e habitada por figuras como traficantes, drogados, trombadinhas, prostitutas e travestis que carregam em si a tragicidade do submundo.
É de se festejar o pertinente encontro entre a companhia paulistana e o autor francês com a montagem de “Roberto Zucco", seu último texto - encenado pela primeira vez apenas um ano após sua morte, na Alemanha. Na peça o dramaturgo toma a História real do famoso serial killer italiano Roberto Succo: um jovem perturbado que entre 1987 e 1988 matou diversas pessoas em países da Europa depois de fugir da prisão psiquiátrica em que estava por ter matado o pai e a mãe anos antes. O Zucco da ficção é apresentado sem julgamentos e sem camadas psicológicas, o que o autor faz é mostrá-lo nas situações em que se encontra, sem se preocupar em explicar o porque chegou até elas ou dissecá-las moralmente. Também não defende o ponto de vista do protagonista, não caindo assim na armadilha de martirizá-lo como muitas vezes acontece quando um autor tenta justificar os atos de um personagem maléfico. Acompanhamos em quadros o olhar oblíquo do personagem, sua mente doentia e a saga por sobreviver numa condição que desde o início está condenada à morte, como um herói trágico destituído de boas inteções. São fragmentos que mostram seu reencontro com a mãe antes de assassiná-la, seu envolvimento com uma menina inocente e como isso afeta a família agonizante da mesma, suas idas à um bordel onde parece sentir-se um pouco menos desconfortável e seus encontros com personagens do cotidiano das ruas, do metrô e de uma praça onde conhece uma mulher elegante, símbolo da burguesia que no fundo tem consciência de que algo está errado, mas espera um acontecimento externo para agir ou reagir. A força do texto é a própria força deste personagem, protagonista absoluto, e a estranheza de sua linguagem e estrutura dramática que provocam uma inquietação ainda maior nos espectadores. A direção é de Rodolfo García Vázquez (também tradutor do texto), um dos maiores criadores de imagens do teatro brasileiro. Utilizando poucos recursos e trabalhando muito bem suas iluminações, o diretor consegue efeitos de forte plasticidade com o estilo algo sujo e espectral que lhe é peculiar. Agora não é diferente: o encenador cria ótimos momentos na montagem, em especial as cenas coletivas como a do final e a do parque - a melhor do espetáculo, ápice criativo e de condução dos atores -. É de se destacar também o excepcional uso do espaço físico - em pesquisa espacial já iniciada em “Hipóteses Para O Amor e A Verdade” -, o recurso das arquibancadas móveis é muito interessante ao localizar em diferentes lugares os quadros que compõem o texto, movendo nosso olhar perante a cena, ampliando e reduzindo os ambientes de ação e dando ritmo à sequência. Os movimentos não são em nenhum momento gratuitos e são precisamente executados. O jovem elenco forma um conjunto que em diferentes níveis responde bem às necessidades da encenação. Robson Catalunha encara a difícil tarefa de viver o protagonista, tendo um típo físico mais franzino que o personagem demanda. É visível seu esforço e empenho, mas lhe falta algum peso; sua surpresa está na sensibilidade do olhar que constrói para o psicopata e que chama atenção na cena em que dialoga com a mulher e seu filho que será morto por ele. Julia Bobrow perpassa as emoções apaixonadas da jovem menina sempre de maneira verossímil, há uma infantilização na figura que desenha com quase malícia e que de certa forma a limita, mas o reencontro de sua personagem com o protagonista ganha força graças à seu bom trabalho. Cléo de Páris como a irmã da menina utiliza o exagero do expressionismo nas duas cenas em que contracena com outros atores, acertando o tom na segunda, já em seu solo libertário exibe um belíssimo momento de atuação quase performática. O grande destaque do elenco fica com Maria Casadevall no papel da mulher que é sequestrada pelo personagem principal e nutre por ele uma espécie de fascínio ao tirá-la da comodidade da vida medíocre. A atriz surpreende em todo tempo que está em cena, alcançando a estranheza necessária para não cair no realismo das reações convencionais que a situação traria, dando o exato sentido inerte que esconde o desespero da personagem. José Alessandro Sampaio como o irmão da menina e Elaine Grava como a mãe do protagonista e madame do bordel estão corretos em seus personagens. Completam o elenco Dyl Pires, Diney Vargas, Victor Lucena, Priscilla Leão, Katia Calsavara, Marcio Pellegrini, Cristiano Dantas, Thadeo Ibarra, Cláudio Wendel, Ricardo Campanille, Renan Pena, Aline Leonello e Julia Ornelas.
Imperdível, “Roberto Zucco” é mais um grande momento artístico do grupo da Praça Roosevelt.

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