
Crítica: Momento inquietante na Praça Roosevelt
Por Luciano Maza (SP) - Caderno Teatral
Por Luciano Maza (SP) - Caderno Teatral
Bernard-Marie Koltès (1948-1989) é o principal nome da dramaturgia francesa da segunda metade do século XX e seu autor mais encenado no mundo. Sua obra é marcada pela força da linguagem que transita entre o coloquialismo e a poesia, e também pelo retrato contundente de um universo marginal com personagens que lidam com a violência de uma realidade crua, excludente e solitária.
Temas muito caros também ao grupo brasileiro Os Satyros que ao longo de sua História travou diálogo com textos que abordam a marginalidade social, assimilando a questão presente no dia-a-dia do coletivo que se localiza numa região degradada da cidade de São Paulo e que até sua chegada estava abandonada e habitada por figuras como traficantes, drogados, trombadinhas, prostitutas e travestis que carregam em si a tragicidade do submundo.
É de se festejar o pertinente encontro entre a companhia paulistana e o autor francês com a montagem de “Roberto Zucco", seu último texto - encenado pela primeira vez apenas um ano após sua morte, na Alemanha. Na peça o dramaturgo toma a História real do famoso serial killer italiano Roberto Succo: um jovem perturbado que entre 1987 e 1988 matou diversas pessoas em países da Europa depois de fugir da prisão psiquiátrica em que estava por ter matado o pai e a mãe anos antes. O Zucco da ficção é apresentado sem julgamentos e sem camadas psicológicas, o que o autor faz é mostrá-lo nas situações em que se encontra, sem se preocupar em explicar o porque chegou até elas ou dissecá-las moralmente. Também não defende o ponto de vista do protagonista, não caindo assim na armadilha de martirizá-lo como muitas vezes acontece quando um autor tenta justificar os atos de um personagem maléfico. Acompanhamos em quadros o olhar oblíquo do personagem, sua mente doentia e a saga por sobreviver numa condição que desde o início está condenada à morte, como um herói trágico destituído de boas inteções. São fragmentos que mostram seu reencontro com a mãe antes de assassiná-la, seu envolvimento com uma menina inocente e como isso afeta a família agonizante da mesma, suas idas à um bordel onde parece sentir-se um pouco menos desconfortável e seus encontros com personagens do cotidiano das ruas, do metrô e de uma praça onde conhece uma mulher elegante, símbolo da burguesia que no fundo tem consciência de que algo está errado, mas espera um acontecimento externo para agir ou reagir. A força do texto é a própria força deste personagem, protagonista absoluto, e a estranheza de sua linguagem e estrutura dramática que provocam uma inquietação ainda maior nos espectadores. A direção é de Rodolfo García Vázquez (também tradutor do texto), um dos maiores criadores de imagens do teatro brasileiro. Utilizando poucos recursos e trabalhando muito bem suas iluminações, o diretor consegue efeitos de forte plasticidade com o estilo algo sujo e espectral que lhe é peculiar. Agora não é diferente: o encenador cria ótimos momentos na montagem, em especial as cenas coletivas como a do final e a do parque - a melhor do espetáculo, ápice criativo e de condução dos atores -. É de se destacar também o excepcional uso do espaço físico - em pesquisa espacial já iniciada em “Hipóteses Para O Amor e A Verdade” -, o recurso das arquibancadas móveis é muito interessante ao localizar em diferentes lugares os quadros que compõem o texto, movendo nosso olhar perante a cena, ampliando e reduzindo os ambientes de ação e dando ritmo à sequência. Os movimentos não são em nenhum momento gratuitos e são precisamente executados. O jovem elenco forma um conjunto que em diferentes níveis responde bem às necessidades da encenação. Robson Catalunha encara a difícil tarefa de viver o protagonista, tendo um típo físico mais franzino que o personagem demanda. É visível seu esforço e empenho, mas lhe falta algum peso; sua surpresa está na sensibilidade do olhar que constrói para o psicopata e que chama atenção na cena em que dialoga com a mulher e seu filho que será morto por ele. Julia Bobrow perpassa as emoções apaixonadas da jovem menina sempre de maneira verossímil, há uma infantilização na figura que desenha com quase malícia e que de certa forma a limita, mas o reencontro de sua personagem com o protagonista ganha força graças à seu bom trabalho. Cléo de Páris como a irmã da menina utiliza o exagero do expressionismo nas duas cenas em que contracena com outros atores, acertando o tom na segunda, já em seu solo libertário exibe um belíssimo momento de atuação quase performática. O grande destaque do elenco fica com Maria Casadevall no papel da mulher que é sequestrada pelo personagem principal e nutre por ele uma espécie de fascínio ao tirá-la da comodidade da vida medíocre. A atriz surpreende em todo tempo que está em cena, alcançando a estranheza necessária para não cair no realismo das reações convencionais que a situação traria, dando o exato sentido inerte que esconde o desespero da personagem. José Alessandro Sampaio como o irmão da menina e Elaine Grava como a mãe do protagonista e madame do bordel estão corretos em seus personagens. Completam o elenco Dyl Pires, Diney Vargas, Victor Lucena, Priscilla Leão, Katia Calsavara, Marcio Pellegrini, Cristiano Dantas, Thadeo Ibarra, Cláudio Wendel, Ricardo Campanille, Renan Pena, Aline Leonello e Julia Ornelas.
Imperdível, “Roberto Zucco” é mais um grande momento artístico do grupo da Praça Roosevelt.
Temas muito caros também ao grupo brasileiro Os Satyros que ao longo de sua História travou diálogo com textos que abordam a marginalidade social, assimilando a questão presente no dia-a-dia do coletivo que se localiza numa região degradada da cidade de São Paulo e que até sua chegada estava abandonada e habitada por figuras como traficantes, drogados, trombadinhas, prostitutas e travestis que carregam em si a tragicidade do submundo.
É de se festejar o pertinente encontro entre a companhia paulistana e o autor francês com a montagem de “Roberto Zucco", seu último texto - encenado pela primeira vez apenas um ano após sua morte, na Alemanha. Na peça o dramaturgo toma a História real do famoso serial killer italiano Roberto Succo: um jovem perturbado que entre 1987 e 1988 matou diversas pessoas em países da Europa depois de fugir da prisão psiquiátrica em que estava por ter matado o pai e a mãe anos antes. O Zucco da ficção é apresentado sem julgamentos e sem camadas psicológicas, o que o autor faz é mostrá-lo nas situações em que se encontra, sem se preocupar em explicar o porque chegou até elas ou dissecá-las moralmente. Também não defende o ponto de vista do protagonista, não caindo assim na armadilha de martirizá-lo como muitas vezes acontece quando um autor tenta justificar os atos de um personagem maléfico. Acompanhamos em quadros o olhar oblíquo do personagem, sua mente doentia e a saga por sobreviver numa condição que desde o início está condenada à morte, como um herói trágico destituído de boas inteções. São fragmentos que mostram seu reencontro com a mãe antes de assassiná-la, seu envolvimento com uma menina inocente e como isso afeta a família agonizante da mesma, suas idas à um bordel onde parece sentir-se um pouco menos desconfortável e seus encontros com personagens do cotidiano das ruas, do metrô e de uma praça onde conhece uma mulher elegante, símbolo da burguesia que no fundo tem consciência de que algo está errado, mas espera um acontecimento externo para agir ou reagir. A força do texto é a própria força deste personagem, protagonista absoluto, e a estranheza de sua linguagem e estrutura dramática que provocam uma inquietação ainda maior nos espectadores. A direção é de Rodolfo García Vázquez (também tradutor do texto), um dos maiores criadores de imagens do teatro brasileiro. Utilizando poucos recursos e trabalhando muito bem suas iluminações, o diretor consegue efeitos de forte plasticidade com o estilo algo sujo e espectral que lhe é peculiar. Agora não é diferente: o encenador cria ótimos momentos na montagem, em especial as cenas coletivas como a do final e a do parque - a melhor do espetáculo, ápice criativo e de condução dos atores -. É de se destacar também o excepcional uso do espaço físico - em pesquisa espacial já iniciada em “Hipóteses Para O Amor e A Verdade” -, o recurso das arquibancadas móveis é muito interessante ao localizar em diferentes lugares os quadros que compõem o texto, movendo nosso olhar perante a cena, ampliando e reduzindo os ambientes de ação e dando ritmo à sequência. Os movimentos não são em nenhum momento gratuitos e são precisamente executados. O jovem elenco forma um conjunto que em diferentes níveis responde bem às necessidades da encenação. Robson Catalunha encara a difícil tarefa de viver o protagonista, tendo um típo físico mais franzino que o personagem demanda. É visível seu esforço e empenho, mas lhe falta algum peso; sua surpresa está na sensibilidade do olhar que constrói para o psicopata e que chama atenção na cena em que dialoga com a mulher e seu filho que será morto por ele. Julia Bobrow perpassa as emoções apaixonadas da jovem menina sempre de maneira verossímil, há uma infantilização na figura que desenha com quase malícia e que de certa forma a limita, mas o reencontro de sua personagem com o protagonista ganha força graças à seu bom trabalho. Cléo de Páris como a irmã da menina utiliza o exagero do expressionismo nas duas cenas em que contracena com outros atores, acertando o tom na segunda, já em seu solo libertário exibe um belíssimo momento de atuação quase performática. O grande destaque do elenco fica com Maria Casadevall no papel da mulher que é sequestrada pelo personagem principal e nutre por ele uma espécie de fascínio ao tirá-la da comodidade da vida medíocre. A atriz surpreende em todo tempo que está em cena, alcançando a estranheza necessária para não cair no realismo das reações convencionais que a situação traria, dando o exato sentido inerte que esconde o desespero da personagem. José Alessandro Sampaio como o irmão da menina e Elaine Grava como a mãe do protagonista e madame do bordel estão corretos em seus personagens. Completam o elenco Dyl Pires, Diney Vargas, Victor Lucena, Priscilla Leão, Katia Calsavara, Marcio Pellegrini, Cristiano Dantas, Thadeo Ibarra, Cláudio Wendel, Ricardo Campanille, Renan Pena, Aline Leonello e Julia Ornelas.
Imperdível, “Roberto Zucco” é mais um grande momento artístico do grupo da Praça Roosevelt.
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